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Comissão Arns

Em defesa dos direitos conquistados

Comissão Arns

28/05/2019 09h10

Lançamento da Comissão Arns, dia 20 de fevereiro, em São Paulo (SP) / Foto: Divulgação


Paulo Sérgio Pinheiro

O Estado detém o monopólio da repressão e a capacidade de defender os direitos dos mais fracos. Jamais devemos perder de vista essa contradição. Para que a segunda qualidade seja realizada e prevaleça sobre o risco do autoritarismo que a repressão possa implicar, é indispensável que todos os indivíduos contem com as garantias da democracia e dos direitos humanos.

Se tomarmos como marco temporal a vigência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o Brasil atravessou fases de democracia e autoritarismo. Sem limites estritos. Porque muitos legados de duas décadas da ditadura militar sobrevivem no período democrático.

Foi o que ocorreu em 1985, quando houve a transição política do regime militar para o governo civil: o fim da ditadura não implica necessariamente o começo da democracia, muito especialmente nos aparelhos repressivos do Estado. A constituição de 1988, que permitiu retomar a via da democracia, não fez uma reforma efetiva do sistema de segurança publica de repressão posto em prática pela ditadura.

Para mencionar somente alguns temas-chave, como as execuções extrajudiciais pelas polícias militares, visando especialmente os adolescentes, jovens e negros, a tortura e o sistema carcerário iníquo e sub-humano, nenhum governo foi capaz de coibir efetivamente essas práticas criminosas.

Os governos democráticos, implementando políticas afirmativas corajosamente, não tiveram condições de assegurar as garantias democráticas para a população negra, hoje a maioria. A democracia, em várias frentes, continuou a ser uma democracia para os brancos. Nem a desigualdade, nem a concentração de renda foram desmontadas a ponto de controlar o poder e diminuir os privilégios das elites brancas.

Quando analisamos a atual conjuntura, de retorno ao autoritarismo, nos espantamos com essa regressão. Na realidade, não fomos capazes de perceber que a incompletude da democracia refletida no mais baixo apoio à democracia na América Latina, constatado no Brasil pelo Latinobarômetro –estava ressuscitando o apoio ao autoritarismo muito antes das últimas eleições.

O momento no Brasil é crítico. Durante trinta anos, houve avanços do Estado de Direito permitindo alargar "a democratização da democracia". Ora, com essas conquistas na área dos direitos humanos agora postas em xeque aprofunda-se um processo de "desdemocratização" da democracia, em que se destitui as classes populares, os negros, as mulheres, os povos indígenas, a população LGBTQ de seus direitos, eliminando-se seus espaços de participação política nas decisões de governo.

Para fazer frente a essas ameaças, foi criada a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Comissão Arns, acima da divisão entre oposição e governo, visando impedir o retrocesso e a anulação dos direitos conquistados na esteira da constitucionalidade de 1988. Neste espaço. gentilmente concedido pelo UOL à Comissão Arns, queremos justamente contribuir para a defesa do Estado de Direito e dos direitos humanos no Brasil.

Paulo Sérgio Pinheiro
Presidente da Comissão Arns, cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos.

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.