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Comissão Arns

Nota Pública # 2 - Apoio ao povo Waimiri Atroari

Comissão Arns

05/06/2019 12h40

Foto: PAC

A ameaça que hoje paira sobre este povo decorre do Programa de Interligação Elétrica Manaus-Boa Vista, com a construção do Linhão de Tucuruí. Polêmico desde a origem, este projeto prevê a implantação de 250 antenas de transmissão elétrica ao longo de extensa faixa dentro da reserva indígena, com evidentes impactos humanos, ambientais, socioeconômicos, culturais.

Chama atenção da Comissão Arns a determinação e a celeridade com que o governo Bolsonaro pretende iniciar as obras do linhão, apresentando-o à sociedade brasileira como obra de "interesse da política de defesa nacional", sem consultar os Waimiri Atroari, em claro desrespeito ao artigo 6º da Convenção 169 da OIT, que impõe a necessidade de se "consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los  diretamente".

Os Waimiri Atroari foram quase dizimados no passado recente, por efeito da construção, com métodos violentos, da rodovia BR 174. De cerca de 3 mil indivíduos, chegaram a contar 350. Embora não estejam aparentemente se manifestando contra o projeto do linhão, reclamam o direito de serem ouvidos sobre o mesmo, como determina expressamente a Convenção 169 da OIT.

A Convenção 169 da OIT foi ratificada pelo Estado brasileiro, em 2004. De acordo com a consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil têm status jurídico supralegal. Vale dizer: os direitos humanos, assim como as obrigações deles decorrentes estabelecidos por esses tratados, uma vez ratificados, não podem ser restringidos ou derrogados sequer por lei, o que dizer por medida de natureza administrativa.

Para a Comissão Arns, iniciar obras nas terras dos Waimiri Atroari, sem que esta consulta prévia seja feita dentro dos marcos legais e conforme protocolo de consulta específicos, representa uma grave violação aos direitos humanos desse povo, a ser evitada por todos os meios. O desrespeito à Convenção 169 da OIT configura ainda uma ameaça a todos os povos indígenas no Brasil.

Pedimos que os Waimiri Atroari sejam imediatamente ouvidos no que diz respeito ao programa de eletrificação em Roraima, como manda a Convenção 169 da OIT. Reivindicamos ainda que os nossos tribunais julguem as ações já interpostas pelos indígenas. E esperamos que a Justiça se faça de forma não só compensatória, mas sobretudo reparadora, para este povo que tem, de acordo com o artigo 231 da Constituição Federal, "direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam" não continue sendo objeto de graves violações aos seus direitos.

COMISSÃO ARNS

 

Foto: Amazônia Real/PAC

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.