As propostas escalafobéticas do Sr. Witzel
Por Paulo Sérgio Pinheiro
Cansado de brincar em helicópteros, fazendo de conta que alveja suspeitos, o governador do Rio de Janeiro deu uma de chefe de Estado. Propôs fechar as fronteiras do Brasil com o Paraguai, a Colômbia e a Bolívia para estancar o tráfico de armas e por cobro ao "genocídio" (sic).
Que se saiba, o Rio de Janeiro não tem nenhuma competência para propor fechamento de fronteiras. Indo muito além das suas tamancas, o Sr. Witzel quer levar essa proposta ao Conselho de Segurança, o órgão máximo da ONU, onde têm assento cinco Estados-membros permanentes e dez Estados-membros eleitos. Nunca soube de qualquer caso de fechamento de fronteiras na organização, desde sua fundação, em 1945.
Não há a menor dúvida de que, com acesso a armas pesadas, quadrilhas que aterrorizam as comunidades populares cometem homicídios, tanto em acertos de contas entre si, como em roubos e latrocínios. Entretanto, a rigor, não há genocídio algum. Segundo a convenção da ONU de 1948, genocídios são "atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".
O que está em curso, no estado, é o resultado de uma política incompetente e irresponsável. Além de celebrar o armamento, o governador liberou geral a violência ilegal pelas polícias, que contribuem para elevar as taxas de homicídios.
A polícia militar fez 434 execuções extrajudiciais – mortes de suspeitos – de janeiro a março deste ano. Em média, foram sete mortes por dia. Em 2018, o índice foi de 368, o maior dos últimos 21 anos. Essas mortes correspondem a 40% dos homicídios no Rio de Janeiro e na Grande Niterói. Em 2017, o Rio de Janeiro foi o estado brasileiro que mais registrou policiais mortos: 104. Não há cidade, não há estado, não há país no mundo (exceto, talvez, as Filipinas) que apresente tais números.
As falsamente chamadas balas perdidas, que matam crianças, são consequência da política de total desprezo pelas populações de comunidades populares. Nesses bairros pobres, com a certeza da impunidade, as polícias se comportam como forças de ocupação, sem respeito aos direitos dos cidadãos e às normas básicas de policiamento.
Quanto ao tráfico de armas, quase todo o arsenal traficado chega ao Brasil por via terrestre. A fronteira com a Argentina e o Paraguai é a principal rota de entrada, mas também existem rotas com Uruguai, Bolívia, Colômbia e Suriname. A fiscalização presencial, em um país como o Brasil, com 15 mil quilômetros de fronteiras, naturalmente, é muito difícil. Mas propor fechar as fronteiras com esses países é uma ideia, no mínimo, lunática.
Se o Sr. Witzel quer, de fato, diminuir a criminalidade, deve abandonar a apologia à violência, o estímulo ao armamento da população, o apoio à impunidade e o desprezo pelas vidas na periferia. E, para enfrentar o tráfico de armas, que deixe de bazófias e articule com outros estados e com o governo federal políticas eficazes de repressão e de inteligência no combate ao crime organizado.
Paulo Sérgio Pinheiro é integrante da Comissão Arns, cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos.
Foto Mark Garten/UN
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