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Comissão Arns

As propostas escalafobéticas do Sr. Witzel

Comissão Arns

01/10/2019 09h30

 

Por Paulo Sérgio Pinheiro

Cansado de brincar em helicópteros, fazendo de conta que alveja suspeitos, o governador do Rio de Janeiro deu uma de chefe de Estado. Propôs fechar as fronteiras do Brasil com o Paraguai, a Colômbia e a Bolívia para estancar o tráfico de armas e por cobro ao "genocídio" (sic).

Que se saiba, o Rio de Janeiro não tem nenhuma competência para propor fechamento de fronteiras. Indo muito além das suas tamancas, o Sr. Witzel quer levar essa proposta ao Conselho de Segurança, o órgão máximo da ONU, onde têm assento cinco Estados-membros permanentes e dez Estados-membros eleitos. Nunca soube de qualquer caso de fechamento de fronteiras na organização, desde sua fundação, em 1945.

Não há a menor dúvida de que, com acesso a armas pesadas, quadrilhas que aterrorizam as comunidades populares cometem homicídios, tanto em acertos de contas entre si, como em roubos e latrocínios. Entretanto, a rigor, não há genocídio algum. Segundo a convenção  da ONU de 1948, genocídios são "atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".

O que está em curso, no estado, é o resultado de uma política incompetente e irresponsável. Além de celebrar o armamento, o governador liberou geral a violência ilegal pelas polícias, que contribuem para elevar as taxas de homicídios.

A polícia militar fez 434 execuções extrajudiciais – mortes de suspeitos – de janeiro a março deste ano. Em média, foram sete mortes por dia. Em 2018, o índice foi de 368, o maior dos últimos 21 anos. Essas mortes correspondem a 40% dos homicídios no Rio de Janeiro e na Grande Niterói. Em 2017, o Rio de Janeiro foi o estado brasileiro que mais registrou policiais mortos: 104. Não há cidade, não há estado, não há país no mundo (exceto, talvez, as Filipinas) que apresente tais números.

As falsamente chamadas balas perdidas, que matam crianças, são consequência da política de total desprezo pelas populações de comunidades populares. Nesses bairros pobres, com a certeza da impunidade, as polícias se comportam como forças de ocupação, sem respeito aos direitos dos cidadãos e às normas básicas de policiamento.

Quanto ao tráfico de armas, quase todo o arsenal traficado chega ao Brasil por via terrestre. A fronteira com a Argentina e o Paraguai é a principal rota de entrada, mas também existem rotas com Uruguai, Bolívia, Colômbia e Suriname. A fiscalização presencial, em um país como o Brasil, com 15 mil quilômetros de fronteiras, naturalmente, é muito difícil. Mas propor fechar as fronteiras com esses países é uma ideia, no mínimo, lunática.

Se o Sr. Witzel quer, de fato, diminuir a criminalidade, deve abandonar a apologia à violência, o estímulo ao armamento da população, o apoio à impunidade e o desprezo pelas vidas na periferia. E, para enfrentar o tráfico de armas, que deixe de bazófias e articule com outros estados e com o governo federal políticas eficazes de repressão e de inteligência no combate ao crime organizado.

 

Paulo Sérgio Pinheiro é integrante da Comissão Arns, cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos.

 

Foto Mark Garten/UN

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.