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Pelos direitos e sonhos: 30 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança

Comissão Arns

26/11/2019 09h32

 

Por Claudia Costin

Em novembro de 1989, as Nações Unidas adotaram a Convenção sobre os Direitos da Criança, com regras e condições claras sobre como assegurar a proteção de uma infância apresentada não mais como propriedade dos pais ou objeto de caridade e filantropia, mas como detentora de direitos. Daí o título do relatório disseminado pela Unicef para celebrar a data: "Para cada criança, todo direito".

De uma maneira geral, a situação das crianças melhorou no mundo, nestas três últimas décadas, como acesso ao ensino primário, ainda não universalizado em países como o Paquistão, o Afeganistão ou a Nigéria. Porém, mesmo nessas partes do mundo, o aumento de meninas na escola foi impressionante, de 2000 a 2015.

No Brasil, a matrícula e a frequência escolar melhoraram bastante nos últimos anos, em especial no ensino fundamental, já universalizado, e na pré-escola, em que mais de 92% das crianças passaram a frequentar espaços de educação infantil. Da mesma maneira, a taxa de mortalidade infantil caiu bastante, fruto de avanços na saúde pública, na atenção à gestante e na educação das mães.

Mas, infelizmente, nem tudo são boas notícias. Em educação ainda temos uma grande defasagem idade-série e mais de 1,2 milhões de jovens de 15 a 17 anos fora da escola, de acordo com a Síntese de Informações Sociais do IBGE de 2019. Além disso, apesar de 91,5% dos jovens dessa faixa estarem na escola, só 68,7% estão no ensino médio – etapa correta para a idade.

O acesso à creche, que não é obrigatório, aumentou de forma importante, mas é profundamente desigual por grupo de renda, parecendo justificar algum tipo de ação afirmativa para a etapa, que beneficie as famílias abaixo da linha da pobreza.

Mas as desigualdades educacionais não se limitam à creche. Como mostra o Anuário Brasileiro de Educação Básica, enquanto 83,5% das crianças de nível socioeconômico muito alto obtêm nível suficiente em alfabetização no 3º ano, dentre as de nível muito baixo, são apenas 14,1%.

Essas diferenças infelizmente ajudam a construir um país desigual, em que, dependendo do meio social em que a família vive, desde muito cedo, o direito de aprender das crianças acaba sendo desrespeitado.

Além disso, como mostra o próprio relatório do Unicef sobre os 30 anos da Convenção, houve queda nas taxas de cobertura vacinal e um forte aumento dos homicídios de crianças e adolescentes. A infância tem sofrido com doenças que podem ser facilmente evitadas, resultado de políticas públicas inadequadas e de uma visão de mundo que despreza as descobertas científicas e promove a desinformação.

Some-se a esse cenário uma política de segurança ineficaz, focada em ações cinematográficas, que tem levado à morte desnecessária de muitos policiais e de várias Ágathas. Até quando vamos chorar nossas crianças ou até admitir que quem teve a infelicidade de nascer em áreas conflagradas não tem direito à proteção que deveria ser assegurada à infância?

Além disso, o casamento infantil ainda é um problema no país – estimado em 19,7% em 2015, numa pequena redução em relação a 2000, mas ainda bastante elevado. Essas meninas, com grande probabilidade, irão parar de estudar e têm chances relevantes de ter que se submeter a relacionamentos abusivos.

O Brasil ainda tem muito o que avançar para respeitar o compromisso histórico que assumimos em 1989, inclusive o de preparar as novas gerações para um mundo que, frente aos avanços da Inteligência Artificial e da automação acelerada, vai demandar delas competências de nível muito mais sofisticado do que hoje temos condições de lhes oferecer nas escolas. Na verdade, a atenção à criança envolve tanto a garantia de uma infância saudável e feliz no presente quanto a preparação oportuna para um futuro que lhes permita a possibilidade de realizar seus sonhos.

 

Claudia Costin é integrante da Comissão Arns, professora universitária, especialista em educação e ex-ministra da Administração.

 

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

 

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.