Anexação da Cisjordânia: um Bantustão Palestino
Paulo Sérgio Pinheiro
A anexação do território ocupado é violação grave da Carta das Nações Unidas e das Convenções de Genebra, e contrária à norma fundamental reiterada muitas vezes pelo Conselho de Segurança e pela Assembleia Geral da ONU, de que a aquisição de território por guerra ou pela força é inadmissível.
O acordo da nova coalizão de governo em Israel para anexar partes da Cisjordânia Palestina ocupada fere um princípio da lei internacional. A Alta Comissária de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, considerou que essa anexação teria um desastroso impacto sobre os direitos humanos em todo o Oriente Médio. É preciso que esse projeto conte com a oposição da comunidade internacional, a exemplo do que vários estados membros já têm feito, como Alemanha, Egito, França, Jordânia, Reino Unido.
Nessa mesma direção, Michael Lynk, relator especial da ONU para a situação dos direitos humanos no Território Palestino Ocupado desde 1967, com todos os quarenta e seis meus colegas relatores especiais e experts com mandatos do Conselho de Direitos Humanos se pronunciaram nos termos que relato aqui.
O plano de Israel de anexação estenderia sua soberania sobre a maior parte do Vale do Jordão e as mais de 235 colônias ilegais israelenses na Cisjordânia. Esse passo incluiria aproximadamente 30% da Cisjordânia ocupada.
A ONU tem relembrado em inúmeras ocasiões que a ocupação do Território Palestino por 53 anos é fonte de graves violações de direitos humanos contra o povo palestino. Essas violações, entre outras, incluem a confiscação de terras, ataques violentos por colonos, confiscação de recursos naturais, demolição de casas como castigo, transferência forçada de populações, uso excessivo da força e da tortura, restrições à liberdade de expressão, prisão de crianças, desigualdade de direitos políticos, legais, sociais e culturais com base na etnicidade e nacionalidade. Defensores de direitos humanos israelenses e palestinos, que pacificamente devassam essas violações, são caluniados, criminalizados e acusados de serem terroristas.
Essas violações de direitos humanos irão se intensificar mais depois da anexação. O que restará da Cisjordânia será um Bantustão Palestino, com ilhas de territórios desconexos, e completamente cercado e sem integração com o mundo externo. Dois povos vivendo no mesmo espaço, dirigidos pelo mesmo Estado, mas com direitos profundamente desiguais. Esta é uma visão de um apartheid no século 21.
Duas vezes, no passado, Israel anexou terra ocupada – Jerusalém Oriental em 1980 e as Colinas do Golan em 1981. Em ambas ocasiões, o Conselho de Segurança da ONU condenou as anexações como ilegais mas não tomou nenhuma medida para impedir as decisões de Israel
De forma similar, o Conselho de Segurança repetidamente criticou as colônias de Israel como uma flagrante violação do direito internacional. Mais uma vez, Israel desrespeitou essas resoluções e a consolidação dessas colônias prosseguiu sem respostas concretas da comunidade internacional.
Dessa vez deve ser diferente. A comunidade internacional tem responsabilidade de defender a ordem internacional baseada em normas para se opor a violações de direitos humanos e dos princípios da lei internacional e dar efeito a muitas resoluções críticas da política de Israel de ocupação do Território Palestino.
Os estados membros da ONU têm o dever de não reconhecer, ajudar ou assistir outro estado em qualquer forma de atividade ilegal, tais como a anexação ou a criação de colônias em território ocupado. As lições do passado são claras: críticas sem ações consequentes não irão impedir a anexação, nem vão por fim à ocupação.
Paulo Sérgio Pinheiro é relator especial da ONU e presidente da Comissão Independente Internacional de investigação sobre a República Árabe da Síria desde 2011. É membro fundador da Comissão Arns.
Mapa: Al Jazeera, Peace Now
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