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Anexação da Cisjordânia: um Bantustão Palestino

Comissão Arns

15/07/2020 10h31

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel


Paulo Sérgio Pinheiro

A anexação do território ocupado é violação grave da Carta das Nações Unidas e das Convenções de Genebra, e contrária à norma fundamental reiterada muitas vezes pelo Conselho de Segurança e pela Assembleia Geral da ONU, de que a aquisição de território por guerra ou pela força é inadmissível.

O acordo da nova coalizão de governo em Israel para anexar partes da Cisjordânia Palestina ocupada fere um princípio da lei internacional. A Alta Comissária de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, considerou que essa anexação teria um desastroso impacto sobre os direitos humanos em todo o Oriente Médio. É preciso que esse projeto conte com a oposição da comunidade internacional, a exemplo do que vários estados membros já têm feito, como Alemanha, Egito, França, Jordânia, Reino Unido.

O que os palestinos perdem se a Cisjordânia for anexada            Amarelo = Cisjordânia ocupada por Israel / Azul = Cisjordânia a ser anexada

Nessa mesma direção, Michael Lynk, relator especial da ONU para a situação dos direitos humanos no Território Palestino Ocupado desde 1967, com todos os quarenta e seis meus colegas relatores especiais e experts com mandatos do Conselho de Direitos Humanos se pronunciaram nos termos que relato aqui.

O plano de Israel de anexação estenderia sua soberania sobre a maior parte do Vale do Jordão e as mais de 235 colônias ilegais israelenses na Cisjordânia. Esse passo incluiria aproximadamente 30% da Cisjordânia ocupada.

A ONU tem relembrado em inúmeras ocasiões que a ocupação do Território Palestino por 53 anos é fonte de graves violações de direitos humanos contra o povo palestino. Essas violações, entre outras, incluem a confiscação de terras, ataques violentos por colonos, confiscação de recursos naturais, demolição de casas como castigo, transferência forçada de populações, uso excessivo da força e da tortura, restrições à liberdade de expressão, prisão de crianças, desigualdade de direitos políticos, legais, sociais e culturais com base na etnicidade e nacionalidade. Defensores de direitos humanos israelenses e palestinos, que pacificamente devassam essas violações, são caluniados, criminalizados e acusados de serem terroristas.

Essas violações de direitos humanos irão se intensificar mais depois da anexação. O que restará da Cisjordânia será um Bantustão Palestino, com ilhas de territórios desconexos, e completamente cercado e sem integração com o mundo externo. Dois povos vivendo no mesmo espaço, dirigidos pelo mesmo Estado, mas com direitos profundamente desiguais. Esta é uma visão de um apartheid no século 21.

Duas vezes, no passado, Israel anexou terra ocupada – Jerusalém Oriental em 1980 e as Colinas do Golan em 1981. Em ambas ocasiões, o Conselho de Segurança da ONU condenou as anexações como ilegais mas não tomou nenhuma medida para impedir as decisões de Israel

De forma similar, o Conselho de Segurança repetidamente criticou as colônias de Israel como uma flagrante violação do direito internacional. Mais uma vez, Israel desrespeitou essas resoluções e a consolidação dessas colônias prosseguiu sem respostas concretas da comunidade internacional.

Dessa vez deve ser diferente. A comunidade internacional tem responsabilidade de defender a ordem internacional baseada em normas para se opor a violações de direitos humanos e dos princípios da lei internacional e dar efeito a muitas resoluções críticas da política de Israel de ocupação do Território Palestino.

Os estados membros da ONU têm o dever de não reconhecer, ajudar ou assistir outro estado em qualquer forma de atividade ilegal, tais como a anexação ou a criação de colônias em território ocupado. As lições do passado são claras: críticas sem ações consequentes não irão impedir a anexação, nem vão por fim à ocupação.

Paulo Sérgio Pinheiro é relator especial da ONU e presidente da Comissão Independente Internacional de investigação sobre a República Árabe da Síria desde 2011. É membro fundador da Comissão Arns.

 

 Mapa: Al Jazeera, Peace Now

 

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.