Topo

Comissão Arns

Nota Pública # 21- Repúdio à omissão constitucional e ataques aos indígenas

Comissão Arns

23/07/2020 09h39

 

A Comissão de Defesa de Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns vem a público manifestar sua indignação e grande preocupação diante da omissão e dos ataques do governo brasileiro aos povos indígenas e pedir ao Judiciário providências para sua proteção.

A retirada de todos os invasores das terras indígenas é dever urgente para evitar maiores contágios da Covid-19. Até agora, o Executivo não cumpriu a decisão tomada pelo TRF1 em 3 de julho, de planejar e executar a expulsão dos garimpeiros da área Yanomami.

Há no Brasil um grande movimento para apropriação de terras públicas, sobretudo na Amazônia. Vários expedientes são tentados, desde medidas provisórias até sorrateiras medidas infralegais. Para combatê-los, é imperativa a extinção da flagrantemente inconstitucional Instrução Normativa nº 9 da Fundação Nacional do Índio (Funai), que pretende eximi-la de suas responsabilidades em relação a terras indígenas ainda não homologadas.

Essa instrução normativa levou à eliminação no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de pelo menos 70 terras indígenas já delimitadas oficialmente ou até declaradas pelo ministro da Justiça. Com a medida, o Incra se vê autorizado a conceder certificação a ocupações incidindo sobre essas terras indígenas, o que é inconstitucional.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a Funai, apesar de orçamentos emergenciais vultuosos, não conseguiram até agora fazer chegar os necessários recursos às populações que deles precisam. O nível da execução e de transparência desses órgãos deixam muito a desejar.

Merecem aplausos os povos e as organizações indígenas que dão exemplos de solidariedade, seriedade e responsabilidade com suas comunidades. Mobilizando ajuda da sociedade civil e do Ministério Público Federal, atuaram de forma efetiva, o que mostra o quanto se perdeu quando o governo esvaziou, em 2019, os espaços de participação social.

Enquanto a Sesai, até agora, não apresentou um plano com ações concretas de enfrentamento da pandemia, foram duas iniciativas indígenas que fizeram tramitar no Legislativo e no Judiciário, respectivamente, projetos emergenciais que possam atender aos riscos que correm os povos indígenas e, mais vulneráveis dentre os vulneráveis, os povos indígenas isolados.

A primeira foi o PL 1142, liderado pela deputada Joênia Wapichana e uma frente parlamentar. Note-se que se aplicava também a quilombolas e outras comunidades tradicionais. O PL 1142 foi aprovado nas duas casas do Congresso, mas o presidente da República, ao sancioná-lo, mutilou-o com vetos inconcebíveis, que precisam ser derrubados.

A segunda iniciativa foi a ADPF 709, liderada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por vários partidos políticos, liminarmente aprovada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso. É importante que seja cumprida. No entanto, a primeira reunião do gabinete de crise com participação indígena, imposta pelo STF, no dia 17 de julho, foi um fiasco. Não parece haver possibilidade de diálogo entre a sociedade civil e o Executivo.

O STF tem se demonstrado um determinado defensor da Constituição e dos direitos e princípios por ela protegidos, em face dos ataques sistemáticos que lhe têm sido infligidos nos últimos tempos. É ele também que tem efetivado direitos constitucionais dos povos indígenas. Portanto, é fundamental e urgente que seja levada ao plenário a cautelar e o mérito do Recurso Extraordinário (RE) 1 017 365, para que seja finalmente superada a aberração que é a teoria do marco temporal. Apelamos ao presidente do Supremo para que paute essa matéria com a urgência devida.

 

Comissão Arns

 

Foto: Funai

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.