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Comissão Arns

O hobbismo político não ameaça a extrema direita

Comissão Arns

02/09/2020 14h35

 

Por Paulo Sérgio Pinheiro

Durante mais de um ano, o governo de extrema direita no Brasil tem realizado com afinco seu programa de destruição das garantias das instituições democráticas. Apoio explícito ao fechamento do Supremo Tribunal Federal, completado com fogos disparados por seus sequazes contra o prédio e ameaças de prisão de todos os "vagabundos" membros da corte. Fechamento do Congresso Nacional. Invectivou-se baixar um novo Ato Institucional n. 5. Ameaças a jornalistas renovadas diariamente num cercadinho na entrada do Alvorada. No Palácio do Planalto, opera uma junta militar informal composta de dez ministros militares, sendo um da ativa.

Pesquisas de opinião têm demonstrado a consolidação do apoio a toda essa pauta, à qual deve ser somada a alta satisfação com a inação do governo federal em relação à pandemia da Covid-19. Expressiva satisfação com o "e daí?", que corresponde ao che me ne frego di tutto mussoliniano, pouco me importa, porque todos temos que morrer. Os alvos dessa necropolítica, largo contingente pobre e em extrema pobreza, são os mesmos que aplaudem o governo de extrema direita e seu auxílio emergencial – e nem percebem que graças ao Congresso e a oposições.

Diante dessa crônica da morte anunciada da democracia e do estado de direito, o que fazem aqueles que se opõem a esse debacle? Entregam-se ao que poderia ser chamado de hobby político, atividade de recreio praticada, em geral, nas horas de lazer da militância de mentirinha.

Os hobbistas políticos dedicam um tempo formidável a ficar a par de todos os dramas políticos, cheques da primeira dama, lavagem de dinheiro na bombonière de um de seus enteados, o menu num dia de festa do pagador da rachadinha enrolado com a milícia. Mas não têm nenhum tempo para o trabalho político propriamente dito, aquele que deve visar ao poder.

O hobbismo político está presente em diferentes pontos do espectro político, mas padece especialmente entre a elite branca, com educação superior (a minoria que não apoia a extrema direita), e situada no centro-esquerda ou na esquerda. As consequências são desastrosas.

"O hobbismo é uma séria ameaça para a democracia porque está desviando a ação de cidadãos bem intencionados de se organizarem para a conquista do poder político". Eis o diagnóstico implacável do cientista político Eitan Hersh, que acaba de publicar Politics is for power: how to move beyond political hobbyism, take action, and make real change [Política é para o poder: como se mover além do hobbismo político, passar à ação e contribuir para a real mudança, da editora Scribner. Esse hobbismo reduz a política a dedicar horas por dia ao Facebook, aos sites da oposição, comentando posts, assestando alvos com o Twitter. Toda essa atividade frenética toma a política com um passatempo ou entretenimento. O que fazem está tão perto do engajamento político quanto "assistir" a um campeonato de futebol está perto de "jogar" futebol.

Fica claro que todo ativismo político bem-sucedido envolve fazer conexões socialmente significativas, duráveis nas comunidades em que estamos inseridos ou nas quais queremos nos inserir. Uma ideia central de Hersh é que "a política deve servir para contribuir para se conquistar o poder e não perder tempo em pôr os sentimentos acima de estratégias". O execrável dossiê em que fui envolvido não foi apenas uma iniciativa calhorda. Na realidade, o governo de extrema direita percebeu, que – não eu, claro – mas os chamados policiais antifascistas não estavam fazendo hobbismo político, mas propondo críticas e alternativas à segurança pública, em uma disputa efetivamente política. E os paus mandados no Ministério da Justiça resolveram agir enquanto cedo.

 

 

Foto: Brasil de Fato

 

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.