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Comissão Arns

Impunidade para execuções extrajudiciais

Comissão Arns

04/07/2019 09h30

Paulo Sérgio Pinheiro

A Ordem dos Advogados do Brasil (Seção São Paulo) OAB e a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese paulista estão desencadeando uma campanha "contra a impunidade dos crimes da Rota e de policiais militares no exercício de funções de policiamento civil", nas palavras do advogado José Carlos Dias, membro da CJP.

Este é um trecho de um texto do saudoso Pedro Del Picchia[1], publicado na Folha de S. Paulo há 38 anos, em 1981. Para que os leitores entendam melhor a história, lembro que, depois do chamado "Pacote de abril", a reforma constituinte outorgada em 1977, pelo general Ernesto Geisel, foi facultada aos estados a criação de uma "Justiça militar estadual" para processar e julgar crimes das polícias militares.

A reportagem da FSP continuava:

A nova redação [da Constituição Federal] propiciou ao [sempre prestimoso à ditadura] Supremo Tribunal Federal a revisão de uma sua antiga Súmula, a de nº 297 – [que previa submeter ao Tribunal do Júri todos os homicídios] – passando a atribuir caráter de crime militar a praticamente a todos os delitos cometidos por policiais militares.

Estabelecida a nova jurisprudência, esclarece o professor da Unicamp Paulo Sérgio Pinheiro, (…) o resultado é que "a polícia militar [de São Paulo] crê que a mais recente interpretação do STF lhes assegura a justiça 'interna corporis' (dentro da corporação), o que permite oferecer um respaldo integral a seus homens, mesmo em casos de execuções sumárias".

Pinheiro cita 'números alarmantes' – (…) a ROTA [Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, em SP] matou, segundo suas próprias estatísticas, 129 pessoas" — para concluir que existe na prática uma política deliberada de extermínio de criminosos, verdadeiros ou supostos".

Os advogados José Castro Bigi, José Carlos Dias e Flávio Bierrenbach consideram unanimemente que a nova interpretação do STF fere o princípio da isonomia quando esta afirma que "todos são iguais perante a lei".

 

Depois dos constituintes de 1988 manterem intacta a estrutura do sistema de segurança publica da ditadura, poucas mudanças ocorreram no campo da impunidade dos crimes da PM. As execuções extrajudiciais por policiais militares em 2017, em São Paulo, atingem o número de 687 mortes, demonstrando que o legado autoritário no sistema de segurança continua intacto .

A única mudança quanto àquela matéria foi  uma lei proposta pelo deputado Hélio Bicudo, com apoio do ministro da Justiça, Nelson Jobim, no governo Fernando Henrique Cardoso, que transferiu para a Justiça comum o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, praticados por policiais militares e militares contra civis[2].

Mas 21 anos depois, ocorre um retrocesso, provocado pelo governo Temer, ao espírito do "pacote de abril", com a Lei 13.491/2017, que transfere da Justiça comum para a Justiça Militar dos Estados e da União o julgamento de crimes dolosos de policiais militares e militares  contra a vida.

Graças a essa lei, a morte, no Rio de Janeiro, em 2019, de dois civis, um músico e de um catador de papel, por militares do exército, está sendo julgada pela Justiça militar da União.

Paulo Sérgio Pinheiro

Presidente da Comissão Arns, cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos.

 

 

[1] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/01/1954046-mortes-jornalista-relatou-atentado-ao-papa-em-roma.shtml

[2] PL 3.321/1992, aprovado pelo Congresso Nacional em 1996, sancionado  como a Lei nº. 9.299/1996

 

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.