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Comissão Arns

Somar forças na defesa da vida

Comissão Arns

31/10/2019 09h34

 

Por Laura Greenhalgh

Se você vive numa bolha chamada omissão, acorde. Vem conhecer as lutas das periferias. Vem andar pelas quebradas. Vem juntar os saberes, as potências, as experiências. Vem compartilhar tudo isso. E não se esqueça: clamar por direitos é direito nosso. Hoje a gente entende que a causa é maior. É de todo mundo. É nacional.

O trecho acima é extraído das falas de jovens que se reuniram na Paróquia dos Santos Mártires, no Jardim Ângela, zona Sul de São Paulo, no último dia 12 de outubro, para o lançamento da campanha Vida Nossa Viva. São jovens da periferia que não se envergonham em sê-lo; que sentem no seu cotidiano o endurecimento das políticas de segurança, mesmo que as taxas de homicídio venham declinando em São Paulo; que percebem o risco de ser enquadrado nos três ¨pês¨ – preto, pobre e periférico. Mas dizem que não vão deixar barato. Queremos vida em plenitude e diversidade, declaram.

A campanha Vida Viva, apoiada pela Comissão Arns, é um desdobramento da resistência cidadã que se formou no Jardim Ângela, na periferia de São Paulo. Em 1996, este bairro liderou o ranking da ONU dos mais violentos do mundo. Se aquele destaque negativo causou incômodo para as autoridades, deu ânimo de combate para Jaime Crowe, um sacerdote irlandês que desde os anos 1980 já vinha tentando juntar os cacos da sua paróquia estilhaçada – uma paróquia que amanhecia o dia contando corpos nos becos e à noite assistia missa com tiroteios do lado de fora da igreja.

Em 1997, no Dia de Finados, os moradores do Jardim Ângela decidiram reagir, fazer alguma coisa – e saíram em procissão até o Cemitério São Luís para rezar pelos que perderam. Seu protesto de dor não era apenas contra a violência de que eram vítimas, mas a favor da vida a que têm direito. Desde então, as caminhadas do padre Jaime foram se repetindo ano após ano, chamando a atenção não mais para um ranking vergonhoso, mas para a capacidade de resposta da ¨perifa¨ organizada.

E resposta de alto nível: sozinhos ou em parcerias, essas pessoas criaram a Associação dos Santos Mártires, organização que articula toda uma rede de entidades das periferias, em mobilização já que trouxe creches, bibliotecas, serviços de atendimento médico e psicológico, centro cultural, capacitações profissionais, até curso de línguas para a região. Da Associação nasce também o Fórum de Defesa da Vida, que hoje é o motor da campanha Vida Vida.

E o que pretende a campanha? Colocar em prática o que os jovens disseram dias atrás, no lançamento: hoje a gente entendeu que a causa é maior, é de todo mundo.

Vida Viva é a caminhada do Pe. Jaime acontecendo não só no Jardim Ângela, mas em outros pontos do país, neste próximo 2 de novembro, mais um Dia de Finados. Trata-se de denunciar o crescimento da violência no Brasil, estimulado pelo discurso do ódio, pelo preconceito, pelo fanatismo. Vida Viva faz um chamamento a todos os brasileiros: hora de se contrapor a uma necropolítica que prefere matar liminarmente do que ir a fundo nas raízes da desigualdade, da intolerância e da sistemática violação a direitos fundamentais.

Ao apoiar esse chamamento, a Comissão Arns junta-se à campanha Vida Viva como parte das atividades da Mesa Nacional de Diálogo Contra a Violência, outro eixo de mobilização da sociedade lançado em Brasília, no mês de agosto.

A Mesa Nacional de Diálogo Contra a Violência é uma iniciativa da Comissão Dom Paulo Evaristo Arns de Defesa dos Direitos Humanos, em parceria com Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Instituto Sou da Paz, Instituto Ethos, Conselho Federal de Psicologia e outras entidades. A ideia que une essa grande rede ao Pe. Jaime e sua resiliente comunidade é tão simples quanto essencial: somar forças na defesa da vida.

 

Laura Greenhalgh, jornalista, é integrante da Comissão Arns.

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.