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Nota Pública #11 - Prevenção da violência pela segurança privada

Comissão Arns

09/12/2019 10h54

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns, fundada em 20 de fevereiro de 2019, cuja missão é realizar a defesa e promoção dos direitos humanos da sociedade em geral, vem a público se manifestar sobre a prevenção de violência pela segurança privada.

  1. O crescendo de violência pela segurança privada

Inúmeros casos de violência cometida por integrantes de equipes de segurança privada vêm sendo detectados pela imprensa. Esses fatos criminosos foram cometidos por agentes encarregados da segurança em supermercados, em São Paulo e no Rio de Janeiro, em shopping centers, em condomínios fechados, em áreas controladas por empresas públicas de transporte, de metrô e de trem, em eventos particulares, em hospitais, farmácias, padarias, restaurantes, casas noturnas, bares, clubes e lanchonetes, em lojas comerciais e postos de gasolina, tendo compreendido agressões, lesões corporais graves, tortura, cárcere privado, divulgação de nudez de clientes obrigados a se despir para revista ilegal e até homicídios.

Ainda que os crimes tenham sido cometidos por "seguranças", muitas vezes terceirizados, não há como deixar de reconhecer a responsabilidade civil das pessoas jurídicas ou físicas, que detenham poder nos espaços usados para as condutas criminosas, e em alguns casos, a própria responsabilidade penal, pela reparação e pelas consequências desses atos delituosos.

2. A responsabilidade social empresarial

A segurança é um direito humano fundamental, como o são a vida, a liberdade e a igualdade. No Brasil a segurança pública é dever do Estado, mas também direito e responsabilidade de todos, nos termos do artigo 144 da Constituição Federal. Em outras palavras, o Estado tem o dever de proteger, mas todos, empresas principalmente tem o dever de respeitar e de remediar, no caso de descumprimento daqueles direitos. Nisso consiste a responsabilidade social empresarial.

Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos da ONU adotou os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos (POs), exatamente em cima desses parâmetros "proteger, respeitar, remediar".

O PO11 exige que as empresas: (i) não violem os direitos humanos e (ii) enfrentem os impactos adversos em direitos humanos com os quais tenham algum envolvimento.

Assim, independentemente de todas as políticas públicas governamentais e não governamentais, que a relação empresas/direitos humanos pode evocar e trazer à realidade cotidiana, ações de prevenção são importantes, verdadeiramente fundamentais para preservar os direitos de todos, inclusive daqueles que transitam pelos lugares comuns em que vêm ocorrendo essas reiteradas e graves violações de direitos.

  1. Marco jurídico da segurança privada em debate

Apesar de a pauta da segurança privada, no Brasil, estar fortemente relacionada a violações de direitos humanos e abuso de poder, ainda não alcançou espaço devido no debate público amplo. Pela discussão travada entre instituições próximas da temática, como Polícia Federal, sindicatos, organizações de categorias de trabalhadores e empresários do setor, assim como estudiosos, há muito o que se fazer.

É consenso de todos que o marco legal se encontra defasado, e por consequência, o controle das próprias empresas legalizadas, mas em especial, das clandestinas e milícias, que são o calcanhar de Aquiles do setor no Brasil.

Há um novo marco legal em debate no Senado, o SCD (Substitutivo da Câmara dos Deputados) n. 6/16, com Relatoria do Senador Randolfe Rodrigues, sem caráter de urgência.

Para subsidiar tal debate, a Comissão Arns compilou o histórico das violações recentes e analisou o marco regulatório da área, oferecendo dados sobre o mercado e sua relação com violações de direitos humanos; e, os pontos de discussão centrais que justificam a urgência de ações de defesa de direitos humanos relacionadas às políticas de segurança privada. Esses dados compõem o Dossiê Comissão Arns sobre Segurança Privada- DossiêSegurançaPrivadaSitevf

  1. Parecer sobre o substitutivo em discussão no Senado

O substitutivo denominado  Estatuto da Segurança Privada e da Segurança das Instituições Financeiras, já aprovado pela Câmara dos Deputados com base no Substitutivo da Câmara dos Deputados, é um documento bem estruturado composto de doze capítulos e 75 artigos. Seus objetivos são disciplinar a segurança privada e a segurança das instituições financeiras; regulamentar a profissão de vigilante; estabelecer regras de segurança das instituições financeiras e congêneres; e estabelecer regras de segurança dos caixas eletrônicos.

Durante o período de tramitação do Estatuto no Senado, desde fevereiro de 2019 distribuído ao Senador Randolfe Rodrigues, foram anexadas emendas e manifestações públicas tanto de instituições representativas dos vigilantes, dos empregados em transportes de valores, dos bombeiros e de pessoas deficientes, quanto de instituições representativas das empresas de segurança privada e de transporte de valores. Uma primeira questão é saber se o Estatuto deve ser aprovado sem emendas pelo Senado, como alguns senadores desejam, para que a matéria não volte à Câmara dos Deputados: a Comissão Arns entende que há entre as emendas melhorias substantivas no Estatuto que o Senado deve avaliar.

Existem, por exemplo, emendas que

  • exigem que as pessoas físicas que sejam contratadas para exercer vigilância privada sejam devidamente registradas e atendam aos requisitos exigidos das empresas.
  • abrem espaço para que cooperativas. forma de funcionamento de centenas de instituições, sejam reconhecidas para o exercício da segurança privada.
  • suprimem a proibição de as próprias empresas financeiras realizarem os serviços de segurança privada
  • suprimem a definição de "trabalho essencial" os trabalhos dos serviços de transportes de valores.
  • eliminam a exigência de pelo menos um vigilante com porte de arma nas instituições financeiras.

Entendemos que essas emendas são suficientemente relevantes para que sejam adequadamente avaliadas pelo Senado.

O projeto de lei, porém, não trata do problema dos direitos humanos envolvidos na segurança privada a não ser indiretamente ao disciplinar as empresas de vigilância privada e a formação dos vigilantes. Nos casos de violência praticada pelos vigilantes não há uma definição da responsabilidade civil dos dirigentes das empresas de segurança privada e dos dirigentes das empresas contratantes, a partir do pressuposto de que a legislação ordinária sobre essa questão.

5. O chamado urgente

A Comissão Arns, ao mesmo tempo em que participa de esforços conjuntos com instituições e empresas socialmente responsáveis para a contenção de violações de direitos humanos tais como as acima mencionadas e ainda divulga seu dossiê sobre violência relacionada à segurança privada, nesta antevéspera das festividades de final de ano, promove um chamado público, recomendando:

  • às empresas, que revisitem seus códigos de condutas e contratos com empresas terceirizadas de segurança, de forma a alinhar seus procedimentos de segurança, normas de treinamento de seus(suas) funcionários(as) e colaboradores(as), trato com clientes e orientações em casos de emergência, às melhores práticas de respeito à direitos fundamentais, repelindo o uso da violência e repudiando formas de discriminação, especialmente às relacionadas à raça, gênero e orientação sexual. Sugere-se também que as empresas divulguem as ações adotadas, especialmente às relacionadas a boas práticas que, ao mesmo tempo, previnam conflitos e garantam a segurança patrimonial e respeitem os direitos dos cidadãos e cidadãs.
  • aos cidadãos e cidadãs para que, a partir de hoje, na frequência a lugares públicos ou aos em que haja presença de segurança privada, não deixem de ficar atentos às infrações dos direitos à segurança, à liberdade e à igualdade, que possam se expressar em constrangimentos para si e para outros, acionando os mecanismos de denúncia existentes.

Poderemos começar assim um novo momento de cumprimento de direitos e deveres, responsabilidade que é de todos.

A Nota Pública #11 expressa a posição oficial da Comissão Arns, assim como a opinião de todos os seus integrantes.

 

 

 

 

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.