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Nota Pública # 24 – Sobre o despejo no Quilombo Campo Grande

Comissão Arns

17/08/2020 17h16

 

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns vem denunciar e levantar sua voz de indignação contra a violência que atingiu cerca de 450 famílias no Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais, uma comunidade de mais de 2.000 pessoas, que utiliza a área há 23 anos para produção agroecológica e moradia, efetivando, assim, a função social da propriedade em gleba de uma usina falida.

Desde a última quarta-feira, dia 12, essa comunidade é alvo de uma questionável ação de reintegração de posse executada por 250 soldados da Polícia Militar, na fase mais aguda de uma pandemia que impõe o isolamento social como forma de proteger a vida de todos.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, já havia anunciado a suspensão do despejo, cedendo a pedidos de diálogo e intermediação que foram apresentados por autoridades religiosas, artistas, entidades da sociedade civil, bem como por instituições como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Defensoria Pública estadual e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, neste caso, expressando uma frente de apoio parlamentar.

Apesar das tratativas, a palavra do governador foi descumprida, tendo prosseguido uma operação de despejo com intimidações, voos rasantes de helicóptero, demolição de uma escola por tratores, destruição de lavouras e produtos agrícolas, fogo no pasto seco para frear a resistência pacífica dos moradores, bombas de gás lacrimogêneo e pimenta, retirada de famílias e prisão de pelo menos quatro pessoas que resistiram aos ataques, visando a proteção de seus familiares e, em especial, das crianças.

O repúdio da Comissão Arns a esse tipo de grave violação dos direitos humanos torna-se ainda mais premente quando se leva em conta o cenário catastrófico da pandemia em nosso país, no qual o estado de Minas Gerais vem ostentando preocupante curva de elevação das contaminações e mortes por Covid-19, nos últimos dias.

Um ano atrás, a Comissão Arns endereçou mensagem comum a essas famílias e aos magistrados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, conclamando as autoridades a decidir com alta sensibilidade perante as questões sociais envolvidas, uma vez que, havendo aparente conflito entre direitos fundamentais, direito à propriedade e direito à moradia, era preciso decidir com cautela e responsabilidade, utilizando-se os meios legais de mediação e conciliação em benefício da vida e do trabalho daquela coletividade. Assim, o TJ cassou a ordem de despejo de 1º grau.

Agora, em 2020, quando decretos, leis e decisões judiciais de âmbito federal e estadual convergem no reconhecimento do estado de calamidade pública, por força de uma crise sanitária e humanitária que já ceifou 100 mil vidas brasileiras, essa mesma sensibilidade precisa ser reiterada e confirmada – abandonada, jamais. O agravamento da violência, ao colocar mais vidas em risco, não interessa à democracia e aos direitos humanos.

Por isso, a Comissão Arns:

  1. Recomenda às autoridades públicas, judiciais e executivas que suspendam qualquer ação, seja fruto da iniciativa privada ou pública, respaldada em decisão judicial ou administrativa, que tenha como finalidade desabrigar famílias e comunidades durante o período de pandemia, respeitando as medidas de isolamento, higiene e assistência social, essenciais para conter o avanço da Covid-19.
  2. Recomenda às autoridades públicas que levem em conta os avanços e as experiências acumuladas nesse tipo de conflito, em especial a Recomendação nº 10, de 17/10/2018, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, que dispõe sobre soluções garantidoras de direitos humanos e medidas preventivas em situações de conflitos fundiários coletivos, rurais e urbanos, colocando-as em prática nessa situação;
  3. Manifesta sua expectativa otimista frente aos tribunais superiores de Brasília, para que decidam, com a máxima urgência, sobre a definitiva suspensão do despejo, inclusive com base em instrumento já interposto pelo ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Brito.
  4. Convida a imprensa a dedicar a devida atenção aos episódios em curso, pois eles dizem respeito à efetivação dos direitos humanos no enfrentamento das desigualdades e da concentração de renda, no campo e na cidade.

Comissão Arns

 

Foto: MST

Membros da comissão

Ailton Krenak (líder indígena e ambientalista), André Singer (cientista político e jornalista), Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (advogado, ex-presidente da OAB-SP), Belisário dos Santos Jr. (advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas), Cláudia Costin (professora universitária, ex-ministra da Administração), Dalmo de Abreu Dallari (advogado, professor emérito e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP), Fábio Konder Comparato (advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP), José Carlos Dias (presidente da Comissão Arns, advogado, ex-ministro da Justiça), José Gregori (advogado, ex-ministro da Justiça), José Vicente (reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares), Laura Greenhalgh (jornalista), Luiz Carlos Bresser-Pereira (economista, ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Reforma do Estado), Luiz Felipe de Alencastro (historiador, professor da Escola de Economia da FGV/SP e professor emérito da Sorbonne Université), Manuela Carneiro da Cunha (antropóloga, professora titular aposentada da USP e da Universidade de Chicago), Margarida Bulhões Pedreira Genevois (presidente de honra da Comissão Arns, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo), Maria Hermínia Tavares de Almeida (cientista política, professora titular da Universidade de São Paulo), Maria Victoria Benevides (socióloga e cientista política, professora titular da Faculdade de Educação da USP), Oscar Vilhena Vieira (jurista, professor da Faculdade de Direito da FGV/SP), Paulo Vannuchi (jornalista, cientista político, ex-ministro de Direitos Humanos), Paulo Sérgio Pinheiro (cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos), Sueli Carneiro (filósofa, feminista, ativista antirracista e diretora do Gelidés), Vladimir Safatle (filósofo, professor do Departamento de Filosofia da USP)

História da comissão

A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos ¨Dom Paulo Evaristo Arns¨ foi instalada em 20 de fevereiro de 2019, em ato público na Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco (SP). Ela reúne, como membros-fundadores, 20 personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais de distintas gerações, cujo denominador comum tem sido a permanente defesa dos direitos humanos em suas áreas de atuação. O grupo se organizou de forma espontânea, voluntária e suprapartidária, para dar visibilidade a graves violações da integridade física, liberdade e dignidade humana em nosso país. Tem como prioridade os indivíduos e as populações discriminadas - mulheres, negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQs, jovens, moradores de comunidades urbanas e rurais em situação de extrema pobreza. A Comissão Arns age sentido de impedir retrocessos em marcos legais e direitos sociais conquistados pelo povo brasileiro.