O novo extremismo de direita
Paulo Sérgio Pinheiro
A convite da União dos Estudantes Socialistas da Áustria, em 1967, o sociólogo Theodor Adorno, que publicou em 1950 o clássico Estudos sobre a Personalidade Autoritária (São Paulo, Unesp, 2019), deu uma conferência na Universidade de Viena sobre a escalada da extrema-direita na Alemanha.
Essa conferência foi publicada na obra Le Nouvel Extremisme de Droite (Paris, Climats, 2019, 112 p.). No texto, Adorno examina todos os truques do discurso de extrema direita nos anos 1960, muito parecido com o discurso atualmente em voga nas redes sociais: a mistura de todos os problemas em uma acumulação de fatos inverificáveis; o método do salame, que recorta, em um complexo de realidades, uma realidade particular sobre a qual se concentra o debate; a utilização de argumentos absurdos.
Adorno critica a tendência de se afirmar, a título de tranquilizar a consciência, que em toda democracia existe um resíduo de incorrigíveis e de loucos, uma lunatic fringe, uma parcela lunática da população. E aponta para o equívoco de se circular essa afirmação como forma de consolo diante das ameaças que irrompem no dia a dia, por parte da extrema direita, na sociedade e no governo (tal qual acontece hoje no Brasil). Adorno também alerta: não se deve subestimar os movimentos de extrema direita em razão de seu baixo nível intelectual ou de seu baixo nível de teoria. Isso seria uma prova de total ausência de visão política, levando a crer que "eles estão condenados ao fracasso".
Diante desses fatos, Adorno crê que só pode haver uma resposta: certamente existe aquele fenômeno, em cada uma das ditas democracias no mundo (como a nossa), em intensidades variáveis. Porém, unicamente "como expressão do fato que, por seu conteúdo socioeconômico, a democracia absolutamente não se concretizou real e inteiramente, mas continuou formal. E poderíamos caracterizar, nesse sentido, os movimentos fascistas (ou, como aqui, de extrema direita) como feridas, cicatrizes de uma democracia, que ainda hoje não existe à altura da ideia que ela se faz de si própria".
Em nosso caso, apesar da incompletude de nossa democracia, persiste a ilusão de que as instituições democráticas estão fortes, quando, ao contrário, se constata que Congresso Nacional, tribunais superiores, ministério público assistem ao desmonte de seus poderes pelo poder executivo, quase sem resistência. Processo a que se soma a incapacidade das oposições em se organizarem em frente ampla contra o governo de extrema direita.
No final, Adorno insiste que o extremismo de direita não é um problema psicológico ou ideológico, "mas um problema extremamente real e político". É sua substância falaciosa e mentirosa que obriga aquele movimento a operar com meios ideológicos, isto é, com meios ligados à propaganda. Além do combate político através de meios políticos, deve-se enfrentá-lo no seu terreno mais específico. Não se deve moralizar, mas apelar aos interesses reais das pessoas: "Mesmo personalidades cheias de preconceitos, aquelas de fato autoritárias, repressivas, reacionárias no plano político e econômico, podem reagir de maneira completamente diferente quanto a seus próprios interesses". Não se trata de ser mais esperto do que o extremismo de direita, "mas de trabalhar contra ele, valendo-nos da força decisiva da razão, fazendo apelo a uma verdade não ideológica".
Em suma, Adorno, descrevia, em 1967, uma realidade bem próxima à de vários países europeus e do Brasil de hoje. Sua conclusão é um apelo à inteligência e ao combate: "A maneira como as coisas evoluirão, e a responsabilidade por essa evolução, depende, em última instância, de nós mesmos". Quer dizer, a larga comunidade de intelectuais, universidades, defensores de direitos humanos, jornalistas, partidos políticos, movimentos em defesa de vítimas de violações de direitos e de ataques por parte do governo, tem grave responsabilidade para impedir a reconstrução, em curso, de um Estado autoritário pelo governo.
Paulo Sérgio Pinheiro é cientista político, ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, foi membro e coordenador da Comissão Nacional da Verdade. É relator especial da ONU e presidente da Comissão Independente Internacional de investigação sobre a República Árabe da Síria desde 2011. É membro fundador e foi o primeiro presidente da Comissão Arns.
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